Anteontem encerramos nossa
participação no SESC Amazônia das Artes, e mês passado concluímos nossa
circulação pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultura. A experiência de
circular e suas consequências já foram postas aqui diversas vezes, sobre
plurais pontos de observação. Todavia, em todos, a ressalva quanto a
importância dessa deslocação permanente para que um grupo de teatro possa
manter uma pulsação contundente, artística e financeira.
No decorrer dos últimos
anos, precisamente treze, esse exercício foi possível graças a uma atenção
específica por parte do governo federal, através dos mais diversos programas de
fomento ao teatro, que culminou em um fortalecimento de coletivos teatrais
palpável, reconhecível, admirável. Esse esforço conjunto, operado por estes dois
atores – grupos e governo – possibilitou que plateias de todo o Brasil tivessem
acesso ao teatro de todo o Brasil, experiência capital para o desenvolvimento
de cidadania (o espectador conhece o país através dos dizeres apresentados por cada
estado), para o fortalecimento do sentido de pertencimento (o país é nosso, e
cada parte dele diz da nossa identidade) e para a redução dos preconceitos de
classe, gênero, região, cor, religião etc.
Agora, o grave momento
político vivido e os claros e daninhos caminhos sinalizados pelo Ministério da
Cultura, me provocam a reflexão quanto a pouca atenção que foi dada por nós,
grupos de teatro de todo o Brasil, para a consolidação de uma rede sólida de
teatro que caminhasse paralelamente à esfera pública, e construísse condições
de autonomia gerencial, formativa, financeira – não cito a autonomia artístico-criativa
porque creio que essa permaneceu imutável independentemente de qualquer tipo de
pressão recebida. Inúmeras experiências aconteceram, com os mais diversos nomes,
e semana passada, enquanto circulávamos, acontecia o III Congresso do Teatro Brasileiro,
em Goiânia. Foi pouco. Para o poder que nos foi dado na última década, nossa articulação
como atores políticos foi parca, e nossa ação de construção estrutural de inter-relações
artísticas e sócio-político-econômicas foi tímida, por vezes, preguiçosa.
Nos foi dada a oportunidade
de tecer uma teia indestrutível, onde o poder do intercâmbio, do conhecimento mútuo,
da colaboração recíproca entre vinte e seis estados de um gigantesco país seria
o principal instrumento de combate às arbitrariedades e desmandos de qualquer
projeto político que atentasse contra o cidadão. Sei que muito foi feito (movimentos,
ocupações, congressos, encontros, cartas, manifestações etc.), o que tento
dizer é que, ainda assim, foi muito pouco, se comparado às condições dadas. Não
soubemos entender o momento e acreditamos que poderíamos viver, permanentemente,
em um estado minimamente justo. Doce ilusão.
Nos cabe alargar o tempo
despendido, aprender com a experiência, e fortalecer essa teia com caminhos
além das estratégias que usamos até aqui. Talvez o sinal esteja no passado,
quando o único mecanismo que o teatro amador utilizava para não ser massacrado era
nada mais do que um contar com o outro. No fim dos anos oitenta, o grupo Ger“ar-te”,
de Balsas, sabia que o grupo “Oásis”, de Imperatriz, estava lá, e podia contar
com ele. Recebíamos inúmeros artistas em
nossas casas para falar da vida, que é o que o teatro faz. Nós somos muitos e,
hoje, fortes. Poderíamos ser mais, e quanto maior essa força, maior o poder
para movimentar as estruturas que engessam o poder público e, por consequência,
o país.
O que tento dizer é que o
poder do enlaçamento, do emaranhado, da tessitura, do embrenhar-se, do enredamento,
do ajuntamento foi subutilizado. A força de poder contar com centenas de grupos
de teatro Brasil adentro para assentar a nossa independência foi subestimada. Nos
apoiamos nos pequenos sinais dados para a construção de uma política pública cultural
eficiente (editais, prêmios, fomentos, leis, bolsas etc.) e pouco usamos nosso
principal apoio, o mosaico de grupos de teatro incrustados por todo o país. O
que digo agora é: podem contar com a Pequena Companhia de Teatro para o
diálogo, para a reflexão, para as discussões, para as manifestações, mas,
também, para o colchonete no chão, para a divisão do pão, para a toalha limpa;
podem contar conosco para conseguir chegar a um dos estados mais pobres do pais
com seus discursos artísticos, estéticos, políticos, que são o esteio da revolução
que o teatro pode promover através da capilarização dos seus dizeres.
Sim, é um mea-culpa o que
faço aqui. Como artista, fiz muito pouco. Como grupo de teatro, fizemos muito
pouco. Como já disse, tenho conhecimento de tudo o que foi conseguido, e
reconheço nosso esforço para conquistar o que temos. Ccontudo, se você, grupo de
teatro combatente, ativo, militante, não entende que tento lançar um olhar além
das nossas conquistas, ou sua vaidade não permite reconhecer o que não foi
feito, não vejo solução para dissipar a tempestade que se avizinha.
2 comentários:
Como argumento é perfeito, é o que tem de ser feito. Na prática, foi tentado muitas vezes. Acompanhei quatro dos encontros do Redemoinho, um movimento cujo intuito, na origem, era exatamente esse o que você diz, a formação de uma rede de apoio e intercâmbio artístico entre grupos de todo o Brasil. Foi uma experiência inesquecível, para mim, o compartilhamento das ideias, dos questionamentos, dos pontos de vista éticos e estéticos de artistas que eu só conhecia, quando conhecia, por suas obras. Em especial no primeiro encontro, que se deu na sede do Grupo Galpão, em Minas, passei a conhecer um pouco da história dos Clowns de Shakespeare, do Rio Grande do Norte, do Imbuaça, de Sergipe. Não fui até Goiânia, mas o meu parceiro, editor do Teatrojornal - Leituras de Cena, Valmir Santos, foi até lá e publicamos um relato em nosso site. É torcer para que desta vez a rede só aumente e as convergências éticas e estéticas possam ser mais fortes do que as divergências ideológicas.
É verdade, Beth. Infelizmente a prática não é tão eficiente quanto a nossa língua. Também participei de várias iniciativas, mas parece que a liga não se efetiva... Amanhã mesmo, estarei abrindo o NORTEA, que é um encontro de pesquisadores de teatro do Nordeste, no FestLuso, que é um festival de língua lusófona que acontece em Teresina, e vou abordar esse assunto. Eu li o artigo do Valmir, e fiquei bastante entusiasmado, de novo (risos). Como estávamos circulando não conseguimos estar presentes no congresso. Talvez a dificuldade (que certamente se acentuará) seja o caminho para entendermos o quão importante é esse suporte coletivo... como sou um romântico, sempre acredito que em um momento a coisa aconteça (risos). Mas você aponta o nó: as divergências ideológicas não poderiam afetar uma teia que pretende reunir convergências éticas e estéticas. Obrigado por seu olhar sempre lúcido. Abraço, querida!
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