domingo, 4 de março de 2018

Dez mil espectadores!


Próximo a completar 8 anos em cartaz, o espetáculo Pai & Filho se encontra em curta temporada aqui na sede da Pequena Companhia de Teatro (Rua do Giz, 295, Centro), ontem, hoje e amanhã (sábado, domingo e segunda), às 19h, com uma série de peculiaridades que servirão como fio condutor das micro-reflexões fragmentadas que me proponho na postagem de hoje.

A primeira peculiaridade atravessa a política de preços da Pequena Companhia de Teatro. Depois de quase uma década em cartaz, e 25 apresentações em São Luís, ontem foi a primeira vez que cobramos ingresso para assistir ao espetáculo. Como o nosso posicionamento político assegura a gratuidade de qualquer atividade da Pequena quando for subsidiada com recursos públicos, fica manifesta a aridez de políticas públicas culturais pela qual passa o teatro de grupo do país, e percebemos claramente o quanto essa gratuidade contribuiu para aproximar um público com menor elasticidade orçamentária e, por consequência, que não tem o teatro como hábito. É fácil dizer que tem que cobrar, mas qualquer apreciador de teatro, que cresceu na labuta diária pela sobrevivência, sabe o que é ser privado daquela experiência artística única porque não tem o vintém que separa o quero do posso. Desta feita, o vintém corresponde ao valor de R$ 20,00.

Também é a plateia, peculiarmente, a estrela desta temporada. Na apresentação de ontem conhecemos o espectador de número 10.000! Nilson Carlos Costa, é o nome dele. Levando em conta que o espetáculo Pai & Filho foi apresentado majoritariamente com plateias reduzidas, esse é um número a se comemorar. Para atingir essa quantia, o espetáculo precisou se apresentar 148 vezes, em 62 cidades de 22 estados do Brasil. Um fato desses não podia passar incólume, e o sortudo ganhou um certificado que dá direito vitalício à gratuidade de acesso a qualquer atividade da Pequena Companhia de Teatro, além de um espumante que nos custou o borderô dos três dias de apresentações. A anedota me serve para ilustrar o pensamento primordial do nosso grupo. Não fosse o entendimento da necessidade de nacionalização da Pequena Companhia de Teatro, seria impossível chegar a essa plateia, pois a demanda local por um teatro focado em uma pesquisa de linguagem com menor diálogo como o mercado não possibilitaria atingir esse número de espectadores. Sempre trabalhamos com esse propósito, e durante toda a nossa existência como grupo, procuramos estabelecer o maior diálogo possível com o país, independentemente de projetos custeados, como no caso recente da nossa ida a Mossoró e Natal com o espetáculo Velhos caem do céu como canivetes. É o diálogo com os grupos de teatro do Brasil que assegura a nossa sobrevivência.

Seguindo com a relação de peculiaridades desta emblemática temporada, é a primeira vez que uma apresentação de Pai & Filho, em São Luís, não tem nenhuma relação com algum tipo de projeto que a companhia esteja desenvolvendo, a não ser o de manutenção independente. O espetáculo – que foi o primeiro do Maranhão a participar do SESC Palco Giratório – sempre esteve referendado pelos principais editais, prêmios, projetos e programas do país; e assim, ocupamos o Centro Cultural BNB, em Sousa/PB, participamos do Viagem Teatral, do SESI, circulamos pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultura, e ganhamos dois Prêmios FUNARTE de Teatro Myriam Muniz – estes, responsáveis pelo maior número de apresentação do espetáculo em São Luís. Essa realidade diz muito do questionamento levantado no segundo parágrafo desta postagem: em tempos de escassez, cortes de verbas, privatização, contingenciamento, mercado, estado mínimo, e toda a sorte de palavras do dicionário neoliberal, a constatação de uma aguda desidratação do teatro de grupo é a prova do eficiente mecanismo de desmonte cultural iniciado recentemente. Com política, sem política, você ainda pode nos assistir hoje e amanhã.

Pai & Filho também concentra 6 Prêmios SATED/MA de Artes Cênicas, nas categorias de Melhor Ator, Diretor, Espetáculo, Produção, Cenário e Figurino. Esse prêmio, tão criticado pela classe, me sugere uma sentença que deve transitar pelo imaginário teatral da cidade: ter prêmio SATED ou não ter, eis a questão. Penso que o prêmio nunca atingiu a potência que poderia ter, como instrumento de celebração anual, como momento de encontro, como reconhecimento dos esforços de produção de uma classe, contudo, o desaparecimento deste supera todas as carências que a sua existência apresentava? Digo, com a extensão do prêmio, ganhamos ou perdemos? Às vezes, quando a crítica não se faz reflexivamente, pode apresentar resultados que não são os mais saudáveis, e o poder desta pode ser devastador. Não estou certo se as críticas que fiz ao prêmio contribuíram para o amadurecimento do movimento teatral maranhense, mas tenho certeza que colaboraram para a extinção do prêmio. Foi o melhor fim?

E para encerrar o desfile de peculiaridades da curta temporada de Pai & Filho, que abre nosso calendário de atividades para 2018, não poderia deixar de falar do espetáculo em si. Venha ver. Vale a pena ver atores como Cláudio Marconcine e Jorge Choairy. Depois de oito anos em cartaz, vale a pena ver o quanto essas personagens se apropriaram da cena, o quão integro está o vigor e o frescor da ação; vale a pena ver o quanto um espetáculo vive, amadurece e se transforma com o tempo, mesmo que não se mude uma vírgula.

5 comentários:

Igor Nascimento disse...

Bem aventurado o espectador 10.000...

Perla M Berwanger disse...

Não vou mentir, tive inveja do ganhador do certificado vitalício!
Viva ao teatro e um VIVA a Pequena/Media/Grande companhia de Teatro!

Giba disse...

Maravilha!

André disse...

Li mais um dos teus textos. Comentei mais uma vez. Já foram 10 mil? Cadê meu vinho?

Marcelo Flecha disse...

Querida Perla, e queridos André, Igor e Gilberto! Leitores frequentes como vocês devias ter brindes, também!