O que vale na
arte? O que ela é ou o que os artistas são? Por diversas vezes elaborei projetos
para editais culturais de circulação de espetáculos teatrais que não requeriam
sequer um vídeo, um link, ou algo que desse acesso ao espetáculo, porém, exigiam
matérias jornalísticas, críticas, currículo etc. Na labuta de tentar pensar
como um parecerista, sempre que isso ocorre, me pergunto: como selecionar um
espetáculo para circular sem vê-lo? A resposta dada pelo conteúdo dos próprios
editais sempre está ancorada na relevância cultural da obra. Mas, o que
determina essa relevância, se não a avaliação da própria obra? A quantidade de
público? O número de matérias de capa? O nome do artista? A quantidade de
críticas? O nome do crítico? Vivemos na cultural da visibilidade e certas
armadilhas merecem cuidado: se o artista precisa desesperadamente criar e cultuar
o mito pessoal – como se isso fosse possível –, é esperar demais que ele
encontre tempo para criar uma obra e esperar que seja cultuada por nós outros.
Nós, espectadores-leitores-ouvintes, só receberemos lampejos do tempo criativo
desprendido na produção da obra, pois, a maior parte desse tempo, foi ocupada
na articulação do mito pessoal e na reverberação do mesmo. Acham que estou
delirando? Vou dar um exemplo: frequentemente vemos, nas redes sociais e no
tête-à-tête, artistas tentando emplacar seu pensamento, sua imagem, seu estilo
de vida, sua alimentação balanceada. Na maioria das vezes, nós,
espectadores-leitores-ouvintes, sabemos que essa pessoa é artista, contudo, não
lembramos qual foi a última obra concretizada por ele. Qual foi o último espetáculo
que fez? A última música que compôs? O último livro que escreveu? A última
exposição de artes que realizou? (Lembrando que, para esta postagem, fotos
esquisitas em redes sociais não contam como obras de arte). Na atualidade, emplacar
uma imagem de artista, um comportamento de artista, um estilo caricaturado de
artista, parece ser mais eficiente do que desperdiçar anos produzindo arte.
Essa ilusão, que costuma confundir artista com celebridade (tema para uma
próxima postagem), gera um universo paralelo de pessoas auto-cultuadas,
polêmicos de botequim, criadores do invisível, bufões virtuais, artistas sem
arte. Cabe a nós, reles espectadores dessa trágica confecção de mitos, extricar
os artistas dos mitômanos. Eu me divirto fazendo esse exercício.
domingo, 26 de abril de 2015
domingo, 5 de abril de 2015
Manifesto calado
A Pequena Companhia de Teatro está
perto de completar dez anos de existência – eu existo, teatralmente, há quase
trinta. Estamos em exercício artístico permanente desde a sua fundação. Durante
essa década não recebemos nenhum tipo de apoio, patrocínio, olhar, aceno ou o
que quer que seja oriundo de políticas públicas culturais do governo estadual.
Por isso, penso que é o estado que tem que me provar que alguma coisa mudou.
Nosso esforço continua se focando na tentativa de conseguir mecanismos para
produzir cultura e democratizá-la para o maior número de pessoas possível.
Acredito que esse seja um posicionamento político importante. O meu silêncio em
relação às movimentações reivindicatórias teatrais recentes está assentado
nesses fatos. Vejo com carinho o movimento, e acho a ação de um valor
inestimável, só não me vejo em condições de auxiliar de alguma maneira, tendo
em vista que meus apelos vêm sendo ignorados há quase trinta anos, desde o
movimento teatral do interior, no final dos anos oitenta. Entendam que se em
momentos uso a primeira pessoa do singular, é porque o que aqui manifesto não
representa a voz da Pequena Companhia de Teatro, e sim, minha opinião. Lembro
com ternura, no início da década de noventa, um dos tantos encontros – esse
ocorreu em uma mesa de bar com o então secretário de cultura do estado –, onde
nosso mais arrojado projeto e desejo era que uma vez por semestre pelo menos um
espetáculo da cidade de Balsas pudesse visitar Imperatriz e vice-versa – na
época, os dois municípios do interior com um polo cultural mais organizado. Nem
preciso relatar o resultado concreto desse encontro, mas posso contar que a
“circulação” aconteceu, independentemente da presença do poder público. Como se
pode imaginar, isso cansa, mas, fazer teatro, não. É o que continuo fazendo. Se
em algum momento alguém conseguir provar que o poder da minha voz tem alguma
serventia, voltarei aos berros como o mais entusiasmado manifestante. Contudo,
certo da minha invisibilidade, permaneço fazendo teatro. Claro que os amigos
mais próximos, e alguns generosos admiradores, vão ressaltar a nossa valia e
blá-blá-blá, mas, acreditem, sei do que estou falando: somos invisíveis. Alguns
companheiros, envelhecidos como eu, podem sentir e saber do que estou falando,
mas, a grande maioria lerá este posicionamento como acomodação, estagnação,
enfado. Minha resposta continua sendo a mesma, eu me mantenho,
ininterruptamente, fazendo teatro. Isso é um posicionamento político. E, sim,
estou velho. Cansado de me ocupar com tudo o que não se refere à prática
artístico-teatral, inclusive reivindicar o óbvio. Contudo, não vi, recentemente
no Maranhão, discurso político mais explícito que o espetáculo “Velhos caem do
céu como canivetes”. Para quem acha que não serve de nada, sugiro aguardar os
próximos cinquenta anos, pois, não se pode pretender que as coisas mudem com um
aceno. Acredito que, se nesses trinta anos, eu tivesse feito muito mais teatro
do que fiz, e democratizado esse fazer para um número muito maior de pessoas,
quem estaria reivindicando por ele seria o povo e não a classe. Agora, caros
leitores, é apenas minha opinião e não creio convencer ninguém. Portanto, não
me exijam a participação em polêmicas virtuais porque, também, estou velho para
isso. Para aprofundamento dialético recebo interlocutores em domicílio, sempre regado
a um bom vinho. Posso ser invisível, todavia, sou de carne e osso.
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