domingo, 22 de novembro de 2015

Pequena Companhia de Teatro seleciona inúteis


A geografia teatral não é favorável ao Maranhão. Estamos na intercessão entre o Nordeste e o Norte, e montados no que já foi o Centro-Oeste (Tocantins), ou seja, em lugar nenhum. Não estamos integrados a um dizer estético regional, a uma identidade simbólica situacional, a um todo como parte. Não bastasse a condição geográfica, a ausência de políticas públicas estaduais para teatro aleijou décadas de produção, fazendo teatristas tatearem, trôpegos, os seus caminhos, sem maiores referências, com base na empiria, sensíveis à interferência e ávidos por anuências.

Sou um deles, como já falei aqui. Atravessei três décadas para enxergar o que faço com um olhar menos severo, e acreditar que dessa claudicância pode sair um pensamento digno de atenção. De lá para cá tropeguei como tantos, até voltar ao princípio, e entender que o caminho do teatro é o grupo. O resultado foi o agrupamento de Katia, Jorge, Cláudio e eu em torno de um projeto artístico de nome Pequena Companhia de Teatro, que, como ninguém sabe, em 2016 completa dez anos de existência.

Essa assertiva tardia – que no meu caso derivou de pregressos quinze anos de cambaleio entre grupos de teatro no interior do Maranhão, a demorada profissionalização, a integração a uma grande companhia, a glamourização das grandes produções, a superestimação do encenador, o serviço público, a clandestinidade e demais titubeios – chegou com uma clareza rara, uma certeza na necessidade de consolidação do nosso dizer a partir da canibalização afetiva dos nossos seres, uns dos outros. Somos, inicialmente, amigos, e nossa relação afetiva afeta nossa produção artística.

É o resultado dessa plural experiência que provoca em mim a dificuldade de pensar em alargar os parâmetros estruturais da Pequena para uma composição mais argilosa, defendida por um dos meus pares, onde a estrutura composicional não seja tão rígida, e que outros agentes possam interferir na permanente formação artística da companhia, seja na área artística ou na produção e logística.

Minha reserva se opera no campo da prática. É como se houvesse uma consciência empírica que me dissesse do impossível e improvável de conseguir acontecer o que nós quatro fizemos acontecer, e que certas aventuras podem ser instigantes quanto a oxigenação, mas nefastas quanto a estrutura ideal adquirida nesse pouquíssimo tempo – tendo em vista que nossa formação atual recém completou cinco anos, dois espetáculos em repertório e um lugar para cada um no carro emprestado.

Sei que meus fundamentos são pobres, e que diversos parceiros estão à porta, dispostos a dialogar conosco, querendo contribuir, com potência artística para agregar fortuna a essa nossa inútil e saborosa empreitada teatral, porém, como sou oriundo do meio futebolístico, é difícil quebrar a velha máxima: em time que está ganhando não se mexe. Contudo, para não dizerem que sou velho – Oh, novidade! –, também, careta, pragmático, conservador, enrijecido, ou qualquer outro desses adjetivos óbvios que jovens artistas me atribuem, inicio aqui o diálogo: o que você acha?

12 comentários:

Anônimo disse...

Marcelo, primeiro, eu sabia kkk adoro o trabalho de vocês, tenho muita vontade de participar de algumas das oficinas e adimiro todos os trabalhos montados e/ou adaptados por vocês.
A pequena companhia, funciona muito bem com os quatro quea compõe, mas acho que se fizesse experimentais com atores, principalmente com os que estão surgindo agora, mesmo que para você, não consiga encontra-los na pequena companhia, seria de grande importancia para eles, pelo menos uma vez participar de um projeto magnifico como o seu e com os mestres do teatro, que são vocês.

Marcelo Flecha disse...

Salve, anônimo! A ideia é ótima, e acho que seria um excelente caminho para iniciar um diálogo. Vamos pensar na dica!

Anônimo disse...

Não conheço a companhia teatral mais mi abriu os olhos para conhece-lá melhor. além da ideia central o que achamos vacês estão a procura de novos integrantes para transformar em uma companhia grande e se for isso estou a disposição TALENTO DE SOBRA HEHE SÓ SENDO MODESTO obrigado IGOR ARTEIRO
igorarteiro49@gmail.com

Marcelo Flecha disse...

Não é bem isso, Igor, mas obrigado pelo contato. Acompanhe o nosso trabalho quando puder, abraço!

Rute Ferreira disse...

Então, vamos por partes: eu acredito que se deve mexer sim em time que está ganhando. Acredito cegamente em três coisas na vida, e uma delas é que o movimento fundamenta a vida. É preciso mover, mudar, transformar - pra poder permanecer, inclusive. Pieguice à parte, mexer é sobreviver. Mas, em minha opinião de tiete-pesquisadora-professora-amiga-leitora, a Pequena já alarga seus portões ao oferecer espetáculos gratuitos, contribuindo assim com a formação do espectador; ao oferecer treinamentos e trocas entre os grupos, contribuindo com a formação de artistas; e ao oferecer seminários. contribuindo com todo mundo (no fundo essa classificação mesmo é só acadêmica, visto que as ações do grupo são abertas mesmo).
Acredito que a própria disposição dos integrantes em dialogarem com outros artistas, arteiros e afins - seja por esse canal, seja numa entrevista informal antes de um ensaio - já indica uma forma clara de abertura. E para concluir (sendo chata com quem esperava um "procura-se atores"), em minha opinião, a essência da Pequena é ser pequena. E em boas essências, aí sim, a gente não mexe.
Um abraço, Marcelo.

Marcelo Flecha disse...

O melhor de defender um ponto de vista é quando alguém defende por nós (risos). Obrigado, Rute, concordo contigo!

Anônimo disse...

Antes de mais nada, me desculpa pela monumental gargalhada ao ler a primeira frase do texto, sei que não era essa a intenção! Se você acha que a geografia prejudica o teatro no estado do Maranhão, mando-lhe saudações amazonenses! (Motivo da minha gargalhada...)

Acho que temos uma coisa em comum: embora façamos teatro não nos julgamos "preparados" a ponto de torna-mo-nos menos críticos ao nosso trabalho. Não sei você, mas embora seja um sofrimento, considero uma virtude louvável que finda por nos engrandecer como pessoas e como artistas.

Minha visão pode parecer pessimista, mas vocês estão anos luz a frente... Você já chegou a conclusão de que teatro é feito em grupo. Aqui a maioria das discussões estão baseadas em egos! Prosaico, né?

Aqui, inquietações como as suas ficar restritas ao quarto, preferencialmente sozinho! Ninguém compartilha dificuldades se não forem comuns como o lançamento do próximo edital, a verba disponível ou mesmo alguma discussão -ridícula e permanentemente incipiente- quanto aos mais de 20 anos de poder do secretário de estado de cultura. Discutir abertamente questões quanto as que você levanta não são para serem postadas na internet! (Que absurdo!)

Bom, isso foi um desabafo para você saber que existem panoramas piores do que os que vocês desbravam no Maranhão! Desejo-lhes força e que mantenha-se -sempre- a humildade e a vontade do compartilhamento!

Entendi o seu questionamento mas acho que você mesmo já deu a indicação de uma resposta. "Afeto" parece uma palavra chave no seu texto, e ele próprio permite tantas possibilidades, bastando-se apenas estar aberto. E me parece que vocês estão! De cara, concordo com o seu par quanto à rigidez da estrutura da companhia. Quem faz teatro já está desde as primeiras palavras (ao menos pressupõe-se) sofrendo interferências externas de toda natureza, voluntárias ou não.

Isso na prática, que é a sua grande preocupação, pode engrandecer a companhia, os indivíduos e os trabalhos realizados, mas também pode foder tudo! Mas o que de fato vai acontecer, só acontecendo!

Sei que não ajudei em porra nenhuma e não tenho nenhum conselho miraculoso para clarear as suas ideias, mas o que seria do teatro se não fosse a experimentação? Permitir-se é essencial. Saber retroceder quando é necessário é fundamental. Desejo maturidade a vocês para diferenciar os dois momentos distintos!

Merda.

Maria Rita

Marcelo Flecha disse...

Maria Rita, texto potente o seu! Merece um tempo para reflexão, degustação... Obrigado por dedicar um tempo para problematizar o meu texto, e agradeço, também, por me deixar saber que tem gente tão atenta do outro lado — a lida de escrever deixa a sensação de palavras ao vento. E sorte nesse estado, um dos pouco que a Pequena ainda não visitou é que já tem sua passagem confirmada por aí em 2016, com o espetáculo "Velhos caem do céu como canivetes". Abraço e força!

Elizandra Rocha disse...

Marcelo querido, sempre te achei genial. Possui tanta criatividade que ela aflora até para buscar novos membros para companhia e novos afetos para a cena. O jogo teatral é isso mesmo, afeto. Quando ele deixa de existir, deixa-se de ser grupo. Ao menos no caso do teatro é assim. Das inúmeras coisas que o fazer teatral me faz falta, a maior delas é a troca humana (corpos, olhares, gestos) que o jogo teatral proporciona, em ensaios diários. Vivemos como se não vivêssemos (é assim que vejo as pessoas indo ao trabalho todos os dias). Ninguém se olha, ninguém ver um ao outro verdadeiramente. Parece uma troca de interesses e gestos programados. No fazer teatral não, o jogo, e por conseguinte a troca, é verdadeiro e intenso. Sei que fazendo teatro me realizo. Creio ser a esta a minha verdadeira forma de realização. Mas porque pareço não mais conseguir? Meu terapeuta esta me ajudando nestas e em outras questões. Contei toda essa minha historinha para lhe dizer que tua ideia é brilhante. A renovação é sempre necessária, e renovar não pressupõe a troca. Acho que vocês, a pequena companhia, so tem a ficar maior. Rsrs. Maior no sentido de melhor. Mais uma vez parabéns querido! Beijos!

Marcelo Flecha disse...

Salve, Elizandra! É sempre bom ler suas palavras por aqui! Eu penso que é importante manter uma avaliação/reflexão permanente para estarmos sempre preparados para as demandas que o nosso fazer teatral nos impõem em benéfico da cena. Análises estas feitas sempre com serenidade, para encontrar o melhor caminho. Apareça mais! Abraço!

Hamilton disse...

Concordo com a Rute,

Sou um espectador em formação pela/através da Pequena Companhia de Teatro. A gratuidade e o diálogo público me formam, me INformam. Claro que posso pagar, o preço do ticket é baixo, mas antes preciso estar sensibilizado. Se além de sensível me tornar um apreciador, massa! E acho que chegarei lá, tardiamente, mas chegarei, graças a essa experiência pornográfica que é acompanhar o fazer teatral público e explícito da Pequeña.
Imagino que, para estudantes e profissionais de teatro, seja ótimo viver próximo às atividades da Pequena Companhia. Vocês proporcionam isso hoje, por meio das diversas atividades. Se alguém entregar algo a vocês, vocês prontamente tem um milhão de coisas para devolver em troca. Aliás, coisas que vocês já vêm distribuindo à farta.
Quantas companhias teatrais pequenas cabem em São Luís? Quantas no Maranhão? Quantos teatreiros correriam o risco da auto-exposição pela reflexão franca e aberta, visando o próprio aprendizado e o da comunidade teatral? Quanto a essas possibilidades, estou com a impressão de que algumas recentes iniciativas e experiências, tomadas ou re-tomadas, se inspiraram ou se re-energizaram na (mas, claro, não só) iniciativa-experiência da Pequeña. Se o fruto não foi plantado por vocês, certamente os quatro estão ajudando a segurar o regador. Que ótimo!
Quanto às possibilidades misteriosas de uma experiência menos "pequena", por assim dizer, na organização da produção e na realização artística, isso realmente é bem íntimo não? Tem a ver com os métodos criativos, o método de montagem, os conceitos de teatro que vocês operam, a formação-desenvolvimento técnico permanente que requer dedicação e um acerto de passo coletivo...
Mais pessoas podem oxigenar ou mais pessoas podem acabar mais rápido com o oxigênio?
Creio que, se houver um objetivo artístico, a proposta da Maria Rita é muito boa: experimentar para testar e discernir para continuar ou retroceder.
Se precisar ir, vá de Kombi.
Vida longa à Pequeña, do tamanho que ela for!

Marcelo Flecha disse...

Sempre preciso e profundo,meu caro amigo Hamilton!