domingo, 5 de agosto de 2012

Cogito, ergo surto.


Em resposta à postagem sobre o Teatro Polidramático, Kil Abreu, amigo da companhia, disse: “Sinceramente, quando vejo o trabalho de vocês não penso que aquilo é uma “dramaturgia do ator”, ou dramaturgia do espaço ou etc. Penso que é um espetáculo de teatro feito com muito rigor (de atuação, e também no plano visual, etc.), que me traz uma série de questões na minha relação com o mundo. Esse rigor formal não é um valor em si, ele é parte da estrutura de pensamento do espetáculo, porque se traduz como forma e nós só podemos ler através da forma, não há saída. Então, uma parte boa do significado está nessa simetria rigorosa que o espetáculo tem, que não é apenas um atestado de rendimento técnico da Pequena companhia, senão vira formalismo. É condição para que possamos ler uma determinada fábula na visão de mundo de dois artistas, e esta visão de mundo se traduz melhor naquele arranjo formal, com aquelas características de composição.”

De fato. Contudo, o comentário aguçou minha análise e continuo refletindo a respeito. É a necessidade de entender, em melhores termos, a relação do nosso fazer com o espectador – aquele com quem compartimos a coautoria do nosso processo. Essa busca de clareza vem a reboque da nova montagem que começa a germinar. Tentando fazer a defesa do Teatro Polidramático para mim mesmo, pensava: se tomássemos uma das variáveis auxiliares do “poli-”, o cenário, e pegássemos dois atores escravos, vestidos de preto, invisíveis de representação, e se encarregassem da reprodução do movimento. Acompanhando apenas o desenvolvimento do cenário, sua movimentação e continuidade, teríamos dramaturgia? Não haveria uma construção temporal do dizer? Uma evolução do tempo-espaço dona de discurso, que não se bastaria em si, mas diria dessa fábula? Ela é auxiliar, não capital como a dramaturgia do ator do encenador ou do autor, que fundamenta a narrativa, mas está contida de significado sequencialmente ordenador dessa fábula, acho. É nessa perspectiva que vejo como os diferentes instrumentos dramatúrgicos congruem para o dito final. Mas, no fundo, acho que meu discurso busca apenas o reconhecimento dos diferentes instrumentos de significação que usamos para construir esse dizer – o que não deixa de ser uma grande bobagem porque eles nunca foram desconsiderados, nem por nós nem pelo público (risos). São só conjecturas que democratizo. Difícil é encontrar alguém interessado em lê-las (risos, de novo).

3 comentários:

Luciana Duarte disse...

Difícil é não lê-las. Teatro polidramático fui no google pesquisar só deu pequena companhia, fui ler. Tive que ler. Como sempre criando, inovando (d e D). Discursos na medida certa. Aconselho a leitura àqueles desinteressados. rsrsrsrsrs

Giba disse...

De longe e com todas as dívidas de ainda não ter chegado aí (mesmo sabendo que é uma questão de tempo), eis um pouco do que penso sobre:
Inevitável é não falar que vivemos um momento, que se estende há mais de décadas, e por suas necessidades, de fincar fronteiras diante do extenso/extremo sentimento/sensação de seres desterrados, tenta se segurar no que lhe é, ou lhe parece, possível.
A questão é que de certa forma rodamos, giramos, voamos e, de certa maneira, terminamos indo ao encontro daquilo que ultrapassa o tempo-espaço. Não que estas rodas, voos e giros sejam insensatos, pelo contrário. Pensar sobre já é um exercício, de certa maneira, transgressor, mas também, penso eu, que se tornou uma grande armadilha.
Há tempos que vivenciamos um despedaçar de tudo e de todos (que não chega a ser tanto quanto propugnam – inevitavelmente, por mais que alguns digam o contrário, somos seres históricos). E por isso mesmo, diante da “falta de um todo”, percebe-se que fomos tragados por uma exaltada valorização de um voltar-se para as partes. Quando, em verdade, por sobrevivência, continuamos, mesmo diante de tantos fragmentos, em busca de uma possível totalidade.
Se perceber em partes, nunca nos retirou essa possibilidade.
O que acontece é que fomos tragados pelo excesso das partes, como se elas ora fossem por si só um ancoradouro e até mesmo despontassem como uma “nova-única” possibilidade, ora como, sem necessidade de maiores explicações, se justificassem por si só no grande jogo onde tudo tem a sua validade.
O fazer artístico se quedou diante da armadilha (o que era inevitável).
Nos últimos tempos gastamos mais tempo com nomenclaturas do que efetivamente com o que pulsa do resultado. O como fazer, o dito processo, se tornou mais importante do que o que efetivamente foi feito. É tanto que, comumente, o processo quando é explanado é sempre maior do aquilo que foi apresentado. E mais ainda, o “tecnicismo”, como meio de validação, encarcerou a arte em um extenso exercício verborrágico e exclusivista que, aí sim, terminou por distanciar ainda mais o espectador/leitor de ser o que sempre foi.
Todo (com as demãos de relatividade tão necessárias nos tempos atuais) leitor/espectador/ouvinte quer apenas e tão-somente falar do que viu, ouviu ou leu. Pode ele saber/reconhecer mecanismos-linguagens, mas elas são, inevitavelmente, apêndices de um todo.
No “trinchinchin”, quando vejo um filme não quero saber se a “mise-en-scène” utilizada está na perspectiva de Truffaut ou de Bordwell. Quero primeiro, assistir a uma grande filme. Depois, aí sim, posso elencar partes deste todo. E, comumente, estas são àquelas que efetivamente enriqueceram o dizer.
A questão, felizmente, não está nomenclatura, mas sim no que um pensar, um elaborar (com conhecimento técnico ou não) resulta. É ele que provoca tais nomenclaturas academicistas, e estas nunca desvendarão o grande mistério que à arte pertence.
E você, meu caro amigo, não só pelas suas inquietações, mas, e principalmente, pelo seu fazer comprova isso. No mais, não é descartar os projetos teóricos (eles acrescentam, por vezes, necessários para o finalmente), porém colocá-los na devida medida.
O que mais me inquieta no momento não são as perspectivas, conceitos, nomenclaturas possíveis, e sim do que falar e pra que falar. No instante em que o fazer artístico se tornou uma mercadoria (desde a comestível-descartável , até àquela que se auto-nomeia “cabeça”), e nos defrontamos é com um ensurdecedor dizer que não suporta mais do que míseros instantes de silêncio.
Aí está a verdadeira tragédia dos nossos tempos.

Marcelo Flecha disse...

Seu discurso não ameniza a enrolação e a espera duranto todo o mês de julho, viu? No trinchinchin, estou esperando a sua visita, meu amigo! Apesar de saber que só a Febre do Rato concretizará essa viagem... rsrrsrsrr